António Maia

Memórias de Mindelo

Seleção de textos escritos por António Maia, do lugar do Outeiro. Mantém-se a ortografia original.

• Proveniência: António Maia
• Direitos: InC

Largo da Igreja • Calçado • Ladainha • Peixeiras • Trabalho • Fome • Desobriga • Festa • Vida difícil • Costureira • Azeiteiro • Brinquedos • Príncipes do nada • Namoro • Rainhas • Lenha • Ferreiro • Funerais • Uma vida a dois • Serão • Amolador • Cozinha • Luz • Pedra do lar • Carteiro • Outeiro • Campo • Futebol • Rios • Sons do passado • Rifa • Lugar de Paredes • Natal • Feijão • Circo • Pouca terra • Moinhos • Enfeites • Correr o velho • Vida dura • Fumo • Alcoviteiras • Vindimas • Estrada Nova • Da estação à igreja • Ceifa

Largo da Igreja

• Localização: 41°18'48.7"N 8°43'11.3"W

Era costume dizer-se vamos a Mindelo, ao padrão ou ao cruzeiro àquilo que hoje vulgarmente denominamos por largo da Igreja, noutro tempo bem mais apertado mas suficientemente amplo para outras épocas. Foi já na segunda metade do século vinte que se procedeu ao alargamento do espaço com a demolição da antiga residência paroquial e obras de beneficiação do adro com redução do seu espaço em frente à Igreja mas compensado pela nova envolvência em redor desta. Sendo este o local de maio afluência de pessoas durante o ano por ali foram surgindo negócios e serviços de apoio á população como vendas, talho, barbearia, locais de ensino, Consultório, e até o posto do leite onde os agricultores o vendiam e a população se abastecia do leite cru, o verdadeiro leite de vaca. A propósito do Cruzeiro muitos ainda se recordam dele no anterior sítio, mas esse não foi o seu local original sendo para aí desclocado quando a atual rua da estação substituiu com vantagens o anterior acesso nascente ao centro da freguesia, o caminho da lameira hoje rua da Igreja. Ficava então o cruzeiro em frente à casa da Nova hoje conhecida por casa do Nogueira1.

1 Localização: 41°18'49.2"N 8°43'11.4"W

Calçado

Do tempo em que os sapatos e chinelos só se calçavam para ir à missa e cerimónias religiosas, andar descalço era tão natural e comum como respirar. Ainda me lembro das pessoas com idade para ser meus avós arrumarem o calçado junto à parede do interior da Igreja e sentarem-se sobre uma almofada, descalços, enquanto assistiam às cerimónias litúrgicas. Nos campos andar descalço era sinal de conforto em especial no tempo do sacho, da monda do milho e apanha do feijão. Hoje podem parecer estranhas estas realidades de outrora como por exemplo regar o milho com os pés encarreirando a água através deles. Não sou saudosista, aprecio as coisas na época, nem me revolto por não ter tido tempo para ser menino. Amo a vida e cada momento que ela me oferece para ser feliz em contributo para a felicidade de outros.

Ladainha

Bicho bichão, aranha aranhão, ainda tu seques e esmirres como este tição.

Peixeiras

Tia Rita do Padeiro e Eulália foram durante décadas as peixeiras de Mindelo transportando o peixe em gamelas sobre uma rodilha colocada na cabeça. Andavam de porta em porta procurando servir as famílias, ganhando a vida com sacrifício e honestidade. Ao abeirarem-se dos fregueses pousavam a gamela, abriam a toalha e o peixe parecia mesmo acabadinho de ser pescado, enquanto com uns fetos iam afastando as moscas atraídas pelo cheiro do peixe fresco. Ainda me recordo da Tia Rita me tratar por Nino e assim tratava todos os rapazes bem como às raparigas por Ninas. Digam lá se não é mais que justo este «miminho» a estas mulheres que foram das mais populares da nossa freguesia?

Trabalho

A geada não parava de tornar os campos e lameiros brancos como a pureza naquelas manhãs gélidas de Inverno à exceção de onde a água de limar mantinha a erva verde, correndo-lhe pelo pé, tornando-a viçosa e muito apreciada pelos animais da casa. As foucinhas eram as alfaias utilizadas no corte, executado geralmente por mulheres corcovadas e de pés descalços com a água pelos tornozelos fazendo postas para depois serem transportadas em gigas ou à carrela para o carro de bois que aguardava em terreno enxuto. Os homens transportavam geralmente a giga ao ombro e as mulheres à cabeça utilizando uma rodilha em pano para não a magoar. Quando a erva era bastante grande utilizavam o feixe também muito utilizado para transportar as agulhas do pinheiro, os feijoeiros e as bandeiras do milho. Passam os anos, não se apagam as memórias.

Fome

Horácio Galhano, conhecido e divertido leiloeiro que muitos ainda se recordarão, dizia com o seu característico humor que na sua casa, quando abria as gavetas, de lá saíam ratos com lágrimas nos olhos pela fome porque passava quem nela habitava.

Desobriga

Será que alguém se lembra o que era a Desobriga? Certamente os mais séniores se recordarão dos tempos das confissões pela Páscoa em que um grupo alargado de sacerdotes confessava os paroquianos e paroquianas sendo registado pelo sacristão o ato da desobriga, ou seja a presença e a absolvição dos pecados. Como era preocupante viver em pecado toda a comunidade depois de preparada pelo tríduo pascal aderia à confissão, sendo até comum quem tivesse dificuldades em caminhar solicitar o carro de bois aos lavradores para dessa forma nele se desclocar à Igreja cumprindo o preceito da desobriga. Dizia-se a este propósito que no regresso a casa o desembaraço dos bois era tão notado quanto maior fosse o peso dos pecados na confissão descarregado.

Festa

Chegada a quinta-feira que antecedia as festas da paróquia, por volta do meio-dia uma potente bomba de foguete deixava a rapaziada em tal alvoroço que de toda a freguesia todos se encaminhavam em loucas correrias para apanhar as canas dos foguetes que tinham por tradição anunciar as festividades religiosas tão do agrado dos nossos antepassados. As festas da freguesia, um misto de bairrismo e fé, eram também um momento de confraternização social, de apresentação das filhas e filhos em idade de namoro, de se criarem laços de amizade e amor muitas vezes para a vida inteira. Crianças, jovens e adultos, uns com ostentação de riqueza e outros onde tudo faltava, até o calçado, vestidos e fatos da comunhão eram de empréstimo dos mais abastados, partilhavam o espírito festivo, dias que marcariam para sempre as memórias da festa da freguesia.

António Maia
1966

• Autoria: Foto Adriano (Vila do Conde)
• Proveniência: António Maia
• Direitos: InC

Serão muito poucos os que se lembram deste menino pois a foto é de 1966 tinha o menino 10 anos. Publico porque representa uma época em que era normal as crianças e adultos do sexo masculino exteriorizarem o luto através de uma fita preta na manga do casaco. O corte de cabelo muito próprio da época foi executado por um dos barbeiros de então, o saudoso Sr Armindo com barbearia no lugar da Igreja, e a foto tirada e cuidada nos estúdios da foto Adriano em Vila do Conde.

Vida difícil

Lembro-me do anoitecer gélido
do fumo a sair pelas chaminés
das roupas encharcadas nos corpos
dos tamancos sem meias calçando os pésDa cabana da palha de milho
das medas e das palhadas
de mungir as vacas com as mãos
dos coices e das cornadasVida difícil de menino
como de muitos outros mais
com mãos cheias de calos
mas muito amor dos pais.

Costureira

Ao fim de semana, após o almoço, a costureira dava a volta pelos clientes distribuindo por estes pequenas trouxas de roupa remendada, o que já era um luxo em tempo de vestir muita roupa completamente rota. Recordo o trabalho exposto na sala de costura pela costureira com as quartas, meias quartas e chapadas e aqui e ali um pequeno remendo disfarçado por uma cozedura bem alinhavada ainda que sem grande garantia. A própria roupa da cama, como enxergões e lençóis, também não escapavam aos remendos assim como as almofadas e travesseiros. A costureira exibia os seus trabalhos consciente do dever cumprido e do saber que o remendo tinha sido aplicado no que restava da parte sã do tecido. Deixava para o fim os lenços de cabeça e os aventais, estes novos e coloridos que faziam as delícias das mulheres briosas de então.

Azeiteiro

A corneta do azeiteiro fazia-se ouvir nos largos dos lugares e as mulheres saíam ao seu encontro com as vasilhas e garrafas com que transportavam a maior parte das compras para o abastecimento semanal. O litro e o quartilho, o quilo e e o quarto de quilo eram as palavras habitualmente usadas nas compras de produtos a granel, sendo que os sólidos eram inseridos em papel de cartucho. A cachopada também saía à rua com a mão quase sempre presa ao avental da mãe na espectativa que o azeiteiro distribuísse algum rebuçadito ou meia dúzia de azeitonas. E o negócio lá se ia fazendo somando no livro de crédito, esperando pelo fim do mês ou pela venda de algum cereal que era a forma de obter dinheiro a quem vivia do campo. Que bem me sabe recordar este quadro dos lugares com a beleza da égua arreada à carroça donde sobressaía reluzente o barril do azeite.

Brinquedos

Como qualquer criança seduziam-me os brinquedos, tantos e tão atraentes mas nenhum tão belo como aquele que andando pelo chão com uma roda de madeira fazia uma pomba esvoaçar. Nunca cheguei a ter algum, hoje sinto que todos foram meus.

Príncipes do nada

Juntavam-se nos largos dos lugares, brincavam às escondidas, ao pilha, à lima e quando havia uma meia de vidro deixada de usar pela mãe juntavam uns farrapos e com ela faziam uma bola para jogar futebol. Também jogavam muito ao pião tentando a nica que quando acontecia deixava o perdedor geralmente com seu brinquedo danificado ou mesmo quebrado e o desalento estampado no rosto. Eram os verdadeiros príncipes do nada, geralmente descalços com as calças amarradas à cintura pelas alças já sem botões, tal como os da camisa, perdidos no jogo do botão. A energia despendida nas brincadeiras fazia soar o alarme no estômago e era vê-los correr procurando nos frutos silvestres das sebes e nos pomares algo que lhes saciasse a fome enquanto nos mais petizes, tal como no quadro do menino triste, escorriam-lhes lágrimas pela face...

Namoro

Aos domingos o sol parecia ganhar mais brilho, os sorrisos voltavam aos belos rostos da juventude, as roupas asseavam os corpos, tudo se conjugava para o encontro semanal de namoro. As ruas enchiam-se de mocidade e às portas, janelas e mirantes as raparigas namoravam com os pretendentes a futuros maridos. O namoro era um ato festivo, uma preparação que conduzia à união dos namorados dando-os a conhecer para abraçar um novo projeto constituindo a futura família. Que bem sabe recordar esses tempos em que o brio e a beleza se conjugavam de forma harmoniosa e feliz...

Rainhas

O namoro era como um conto de fadas onde os príncipes encantados faziam acreditar as namoradas em princesas que se tornariam rainhas, sonhos que em muitos casos nunca se tornariam realidade. Mas isso são contas de outros rosários, pecados confessáveis e inconfessáveis de Senhores e Senhoras de bem.

Lenha

Em tempos em que cozinhar os alimentos e aquecer água para o banho se fazia à custa de lenha imaginemos a preocupação de todas as famílias em diariamente ter ao dispor este bem tão precioso. Bem sabemos que tudo era aproveitado, até os troços das couves eram secos, bem como se aproveitavam todas as lenhas da poda das diferentes árvores atadas em molhos por vimes e guardadas ao abrigo de qualquer coberto ou arrecadação. Guardados depois de secos também eram os casulos das espigas do milho sob as cabanas de palha e ainda havia os frascais onde se recolhiam ao ar livre as ramagens e ganas das árvores vendidas ou aproveitadas para as obras de casa, ramadas e alfaias agrícolas. No entanto havia famílias que não tinham propriedades às quais a lei concedia o direito de apanhar as lenhas secas que houvessem nas bouças bem como as pinhas, prumas dos pinheiros e fitas (cascas soltas) dos eucliptos. Este direito de entrar dentro das bouças era no entanto vigiado por um funcionário com a designação de Olheiro pago por uma associação de vários proprietários com o propósito de impedir o abate de árvores.

Ferreiro

• Localização: 41°18'43.6"N 8°43'08.3"W

Depois de passar a Igreja a caminho do lugar da fonte outro som se ouvia, não o do badalar o bronze na torre sineira mas o de picar as foucinhas e malhar o ferro incandescente na bigorna conferindo-lhe o formato desejável para a alfaia pretendida. A oficina do ferreiro sempre meio nublosa pelo fumo da forja, com os rapazes convidados a tocar ao fole para manter em brasa o carvão de pedra onde o ferreiro colocava o ferro para o preparar com a tempera, era um local de enorme afluência de pessoas, numa época em que as alfaias agrícolas de fabrico mecânico muito artesanal eram contruídas pelo ferreiro e carpinteiro. Em todas as alfaias que se destinassem ao remexer na terra, a exemplo dos arados, havia uma peça em ferro denominada unha que permitia o sulco com o menor esforço e ganho de tempo, sendo que alguns ferreiros quando o trabalho que faziam era de qualidade tinham por hábito dizer que estava perfeito como a ponta da unha. Um desses ferreiros com oficina em Fajozes ficou para a posteridade com essa mesma alcunha.

Funerais

As crianças participavam também nos funerais, vestindo opas da irmandade depois de convidadas na escola e obterem a permissão do professor recebendo no final um pão e mais recentemente um pacote de bolacha baunilha.

Uma vida a dois

Desde sempre os jovens enamorados ardentes em paixão e romantismo se dispõem a viver juntos desafiando tudo e todos bastando-lhes o abrigo de uma simples ponte para viverem o seu amor. Já os mais velhos experimentados por essas ilusões, emoções e deceções, recomendam aos mais novos sensatez na organização de uma vida a dois com a racional estabilidade material que proteja tão nobres sentimentos perante adversidades que surgirão vida fora. Os pais sempre se preocuparam com o futuro dos filhos tendo eu por muitas vezes testemunhado conversas tanto de preocupação como de tranquilidade quando os filhos seguiam a nova vida, a vida conjugal. Subjacente a esse bem querer aos filhos também estava o acautelar da sua própria velhice pois era junto das novas famílias que desejavam terminar os seus dias. Quando tinham bens celebravam as denominadas doações do terço procurando desta forma compensar a nova família que lhes assegurasse os cuidados em fim de vida. Aos outros filhos procuravam outra forma de compensação através dos chamados dotes com que estes procuravam recomeçar a vida com a constituição de uma outra família. Foi assim durante séculos a base da estrutura familiar mindelense.

Serão

No fim de almoço jornaleiros e jornaleiras saíam para os campos com as juntas de gado apostas ao carro com tarefas distintas mas que funcionavam na perfeição: elas cortavam o milho colocando-o em postas e eles colocavam-nas no carro transportando e descarregando em rimas no coberto. À noite fazia-se serão desfolhando as espigas e arrumando a palha atada em molhos que no dia seguinte haveria de ir para a cabana, lá aguardando pelo dia em que serviria também de alimento aos animais. As espigas eram guardadas na casa da eira para serem posteriormente debulhadas separando o grão do casulo sendo que o grão depois de limpo era estendido na eira e eirado para secar ao sol e mais tarde ser transformado em farinha ou negociado para os mais diversos fins. O Serão que tanto inspirou poetas e escritores era o momento alto da reunião da vizinhança, o expoente máximo da mais sadia convivência e fraternal relação humana, a solenidade da partilha do pão que se desejava para todos os lares.

Amolador

Com o aproximar do Outono o assobio do amolador ecoava pelos lugares da freguesia e toda a gente trazia à rua algo a necessitar conserto fosse louça ou guarda chuvas e até facas para várias serventias. Por cá eram mais conhecidos por guarda-soleiros mas as suas competências eram várias e os seus trabalhos muito apreciados pois devolviam à utilidade muitos materiais através da sua recuperação. Deslocavam-se com ferramentas apoiadas sobre uma roda, com um esmeril tocado por pedais ou manivela com que realizavam verdadeiros restauros sobretudo em peças de louça com a colocação de agrafos bem como arranjos na latoaria. No lugar do Outeiro residiu muitos anos o Sr Domingos «Funileiro» que juntamente com sua esposa Zulmira sobreviviam desta arte, recordo-o muitas vezes a caminho do comboio com a «tralha» segura por um pau pelas costas, vestindo o seu velhinho fato, gravata vermelha, calçando sapatos por onde os dedos dos pés «espreitavam» a luz do dia.

Cozinha

As pessoas e os hábitos mudam com vantagens e desvantagens para si e para o que as rodeiam e por isso recordo outros tempos e costumes que só os mais velhos se recordarão. As cozinhas eram completamente diferentes das de hoje, geralmente em terra com uma grande pedra do lar sob a saia da chaminé junto do forno e aí se cozinhavam as refeições, aquecia-se a água, curavam-se os fumeiros e cozia-se a fornada do pão. O combustível era a lenha sobretudo ramagens sobrantes de partidas de madeiras vendidas ou aproveitadas para as alfaias, habitação, cobertos e currais para animais, sendo que o frascal era o depósito caseiro onde a lenha ia secando para ser consumida. Também a borralheira tinha o seu lugar junto ao lar, para onde se varriam as cinzas de cada vez que se cozinhava. A borralha era utilizada nas hortas como fertilizante da terra. Ainda me parece ouvir o crepitar da fogueira por entre as panelas de três pernas em ferro, ao mesmo tempo que ainda me «invade» o aroma da comida cozinhada a lenha.

Luz

Lembro-me dos caminhos, cangostas e carreiros ladeados de sebes, em terra batida, das vénias aos professores, ao padre e aos doutores e da noite ser temida pois não havia iluminação pública. A memória é a verdadeira luz desse tempo.

Pedra do lar

A pedra do lar, hoje uma memória dos mais velhos, era o local onde se cozinhavam os alimentos, aquecia a água para higiene e produzia o calor para aquecimento da habitação. Era assim necessária muita lenha numa procura quase diária pois três vezes por dia se cozinhavam refeições. E se os lavradores faziam os frascais com as ramas das árvores que vendiam ou abatiam para renovar as alfaias agrícolas, a maioria da população apenas podia apanhar lenhas secas caídas ou esperar pela boa vontade de quem lha desse. Como agravante as famílias eram numerosas resultando no aumento de consumo e na permanente procura desse bem tão precioso quanto indispensável. Era muito comum pedirem aos lavradores as lenhas de poda (das videiras e sebes) com que faziam pequenos molhos atados com fiteira ou vime, bem como os cepos das árvores abatidas «escarnados» pela força empregue em machados, alviões, marretas e cunhas e depois transportados para casa pelo carro de mão, uma miniatura do carro de bois. Parece que estou a ver ao natural esses homens em camisola interior, com o suor escorrendo pela face, num sacrifício descomunal lascando o cepo em canhotas que os filhos iam colocando no carro.

Carteiro

O carteiro era aguardado á porta de casa pelos enamorados, pelos familiares com membros emigrados, pelos pais com filhos na guerra, pelas esposas aguardando notícias dos maridos ausentes na procura de um futuro melhor. O carteiro era o portador da mensagem que devolvia a razão para continuar a acreditar no amor e na confiança em que o sacrifício valia a pena e a saudade se esbatia na leitura sôfrega daqueles pedacinhos de coração que perfumavam palavras tão simples e profundamente partilhadas. O carteiro percorria a freguesia de bicicleta com uma mola da roupa prendendo a perneira da calça, vestindo no seu uniforme tão próprio assim como a saca da correspondência sempre segura no quadro da bicicleta. Nestas simples linhas que lhes dedico saboreio o romantismo de uma época sem nome de rua nem número polícia no portão, uma época sem telemóveis e com telefone que bastavam os dedos de uma mão para os contar. Havia o carteiro que nos fazia chegar alegria e felicidade.

Outeiro

«Se fores ao lugar do Outeiro leva as contas para rezar que lá é o purgatório onde as almas vão penar.» Era um ditado antigo da freguesia, expressando as difíceis acessibilidades ao lugar.

Campo

No Mindelo de há décadas quase em todas as casas havia animais que em muito contribuíam para os afazeres agrícolas, economia familiar e alimentação. Muitos deles saíam diariamente para o campo tanto para os trabalhos como para o pasto, percorrendo os caminhos de tão bem conhecidos quase dispensando cuidados de vigilância. As agras de Mindelo enchiam-se de pessoas e animais porque os trabalhos eram muitos e as alfaias muito artesanais. Os trabalhadores deslocavam-se geralmente com os utensílios ao ombro especialmente a sachola alfaia indispensável para todo o serviço. Nesse tempo a pluralidade de culturas era diversificada pelas épocas do ano, mas exigia também redobrados esforços pois a terra era na mesma lavrada, gradada e semeada ainda que com muita mais mão de obra, mas com alfaias puxadas por animais normalmente gado bovino. O campo assegurava a subsistência de grande parte das famílias mindelenses, umas com propriedades próprias e outras por arrendamento, ressalvando-se a entreajuda entre todos como fator de relevante solidariedade comunitária.

Futebol

A tarde de domingo era para os adolescentes masculinos dedicado ao convívio unidos pelo gosto e prática de futebol. Eram muitos os rapazes que de vários lugares da freguesia se reuniam onde houvesse um campo a monte para ali fazerem alarde e exibicionismo dos seus talentos futebolísticos. No lugar do Outeiro havia um desses campos onde durante a semana pastavam as ovelhas da Sra Virgínia do Pedreiro, mesmo a fazer inveja aos relvados dos nossos principais clubes, para mais vedado com sebe em seu redor que o tornava abrigadinho e acolhedor. Demos-lhe o nome estádio das covinhas1 e com umas varas de euclipto das bouças vizinhas fizemos as balizas evitando dessa forma a polémica de ser golo ou não quando a bola passava por cima da cabeça do guarda redes. Naquela época ninguém usava (nem tinha) calções, a bola era jogada de pé descalço ou quando muito de galochas e um pequeno rádio a pilhas nas mãos de alguém que não entrasse de início no jogo, relatava as incidências do campeonato de futebol, vibrando cada um com os golos afetos às suas paixões clubísticas. Entretanto aproximava-se a noite, os corpos encharcados de suor davam sinais de cansaço, e era mais que tempo de voltar a casa onde ainda a muitos aguardavam tarefas de ajudar os pais.

1 Localização: 41°19'04.5"N 8°43'08.7"W

Rios

A geração sénior lembra-se ainda do tempo de lavar roupa no rio e no caso dos Mindelenses o ribeiro que atravessa a freguesia dava nome a vários «rios» consoante o lugar onde sobre umas pedras lisas e retangulares, de joelhos protegidos pelas tábuas do caixão, as mulheres e as jovens lavavam as trouxas de roupa dos agregados familiares. De entre os «rios» no ribeiro eram conhecidos o de Passos1, Lameira2 e Paredes3, havendo outros em pequenos cursos de água como o do Fariato4 em Passos e o da manga5 na Moimenta. Este último ainda existe sendo de todo o interesse conservá-lo pois é uma relíquia do tempo, um documento dos nossos costumes e identidade. Depois de lavada a roupa era posta a corar, espalhada sobre a erva do coradouro e amiudadas vezes regada com água que lhe conferia brancura e o cheiro agradável de verdadeiramente lavada.

1 Localização: 41°18'45.5"N 8°42'55.2"W. Perto deste local onde se lavava a roupa no regato, havia também um tanque, pertencente à família conhecida como Galega (41°18'48.5"N 8°42'54.8"W).
2 Localização: 41°18'54.7"N 8°43'04.9"W
3 Localização: 41°19'06.0"N 8°43'24.2"W
4 Localização: 41°18'40.6"N 8°43'03.3"W
5 Localização: 41°19'29.8"N 8°42'54.7"W

Sons do passado

Muito se apresentará acerca da imagem mindelense, mas permitam-me que aborde também os sons que se foram perdendo da labuta diária de uma comunidade ativa e laboriosa. Ainda tenho bem presente o som do afugentar dos pássaros antecedendo as ceifas, o apitar do comboio, o tocar do gado, o moer da farinha, o temperar das alfaias agrícolas, a debulha dos cereais, a sirene da fábrica do Mindelo1, o pregar dos carpinteiros, o rodar dos carros de bois, o rachar das lenhas... como outros terão bem vivos os das tarefas da faina no mar. Os sons de hoje são outros, praticamente já ninguém se distrai a ouvir o eco da sua voz, exercício tão interessante nos meus tempos de criança. Também já ninguém brinca com um arame conduzindo um roda de ferro com o seu inconfundível som mais o sorriso que nos fazia sonhar e acreditar em dar a volta ao mundo.

1 Localização: 41°19'29.8"N 8°42'54.7"W

Rifa

Aos sábados de tarde através da amplificação sonora de António Camaz de Azurara anunciava-se a rifa no lugar com os jogos tradicionais populares, discos oferecidos (dedicados) e bailarico que animava novos e velhos em fim de semana de diversão. Adorava ver jogar o travesseiro com dois homens sentados sobre um pau roliço, seguros pelo cruzar dos pés, batendo um no outro com toda força na tentativa de ganhar o jogo derrubando o opositor. Também não faltava a vara ensebada com o bacalhau lá bem no alto despertando a tentação aos mais audazes numa subida à vara tantas vezes inglória. O jogo da malha também despertava muito interesse e era ver os jogadores sempre de olho nos galos que eram o prémio para os vencedores. Ao som dos discos, embalados pela letra das canções quantas juras de amor não se fizeram naqueles fins de semana até que uns homens vestindo farda, apareciam de bicicleta tantas vezes transformando alegria em tristeza e revolta.

Lugar de Paredes

O lugar de Paredes é ainda uma referência do casario agrícola como noutros tempos também o eram os outros lugares. Em tempos as famílias que trabalhavam para os lavradores habitavam umas dependências anexas à habitação sendo que as raparigas até casarem viviam também na habitação juntamente com o agregado familiar dos patrões. As outras casas que havia, normalmente também propriedade dos lavradores, eram geralmente arrendadas a pessoas com outras atividades, ainda que também nelas continuassem com afazeres ligados ao campo, com leiras arrendadas e gado a ganho numa economia familiar de subsistência e sobrevivência, onde o criar do porco e aves de capoeira tinham importância capital. É também do lugar de Paredes que surgem os primeiros roleiros de Mindelo executando a apanha das rolas com uma técnica muito peculiar que fez despertar no Professor Santos Júnior a utilização da anilhagem para o fim científico do estudo da rota migratória das aves, criando a Reserva Ornitológica de Mindelo a primeira do país em 1957.

Natal

A alegria indescritível que sentia ao ver o presente no sapatinho enchia-me o coração de gratidão e que importava o valor do presentinho se o importante era Ele não ter sido esquecido deste menino entre tantos outros.

Feijão

Pela fresca da manhã patrão e jornaleiros saiam de casa a caminho do campo para apanharem o feijão antes que o calor o tornasse rijo e a vargem se abrisse deixando cair a semente. Os feijoeiros eram apanhados à mão e recolhidos entre o braço e o tronco, tanto por entre o milho como a descampado sem outra cultura a partilhar com eles o mesmo espaço. Faziam-se com eles rimas que depois eram colocadas no carro de bois e transportados para a eira onde eram espalhados para apanharem sol até ficarem crespos e debulhados. Com espalhadouras de madeira eram várias vezes virados e nas casas de lavoura era com os bois ou vacas andando sobre eles em círculo que se ia separando o feijão da palha. A espalhadoura era normalmente um jovem castanheiro com uma galha, cortado num souto noutros tempos muito comuns nas freguesias.

Circo

Guardo como relíquia as imagens da chegada do Circo a Mindelo, uma caravana de carros e camiões que me prendia a atenção acerca do mundo mágico ali ao alcance do meu olhar. Fiquei muitas vezes triste por não poder entrar naquele mundo maravilhoso, onde os artistas brindavam o público com deliciosos talentos, mas valeu pelos poucos espetáculos que presenciei quantas vezes deslumbrado pela beleza e arte dos executantes que me deixavam em suspenso pelos limites empregue nos diversos exercícios. E havia os palhaços, normalmente um rico e um pobre, a verdadeira caricatura social da comunidade constituída por cada um de nós.

Pouca terra

O comboio de todos os sonhos, ali ao pé de mim, pouca terra, pouca terra para tanto fumo e vapor. Encostava o escadote ao muro e deliciava-me a ver o comboio sonhando com o seu destino; para onde iria? Donde vinha?

Moinhos

Bem antes da chegada da electricidade a Mindelo a necessidade de transformar o grão em farinha levou alguns mindelenses a fazerem aproveitamento das correntes de água tornando-a sua aliada para mover as mós dos moinhos. Ainda existe um desses exemplares por sinal bem recuperado na ribeira de Silvares, de propriedade particular pertencente à família do falecido Dr Bertão. Outros existiram a seguir à rua dos Moínhos no lugar do Carvalhal pertencentes às famílias do Balazeiro e Calado com recurso a água que vinha de Castelões em Fajozes e que era encaminhada por mina desde as regadas no lugar do Outeiro até às Cubas no lugar do Carvalhal onde encontrava o leito a céu aberto que a levava aos moinhos.

Enfeites

As festas em Mindelo eram sinónimo do brio dos seus mordomos e mordomas tudo começando nas cordas de enfeitamento envoltas em festão e flores em papel, feitas em muitos serões com os homens preparando o arame e as mulheres transformando em arte os seus muito apreciados dotes em lavores femininos. Destacou-se neste saber e ensino a Sra Arminda Faria, conhecida entre nós por Arminda do Sousa, pessoa sempre convidada para ajudar e ensinar ao longo de muitos anos tão apreciado trabalho que coloria de beleza os trajetos da passagem da procissão, bem como o do adro e largo da Igreja por altura das festas do Natal. O enfeitamento era colocado e firme nos paus das bandeiras servindo assim de adorno a todo o enquadramento festivo.

Correr o velho

«Correr o velho» significava recriar pelo entrudo tudo o que se fora assistindo, mas acometido ao segredo, encontrando naquela manifestação popular e por detrás da máscara a liberdade para o tornar publico.

Vida dura

Sessenta anos passaram e tudo mudou apenas restam memórias daquelas que eram crianças e hoje são os velhos. As ruas em terra batida ou em areal, ladeadas de valos e árvores, apertadas e cobertas de ramadas, as casas revestidas a saibro e com telha nacional, a rudimentar iluminação noturna, o mato colocado nos caminhos para depois de pisoteado servir de estrume nos campos de cultivo. É verdade que para quem tem hoje vinte anos isto pode parecer longínquo, tal como mulheres e homens colherem erva para alimento dos animais dias inteiros de foucinha no punho, e homens e animais lavrarem as terras nas madrugadas da primavera. O leite era tirado pelas 4 da manhã e levado ao «trama», assim se chamava o comboio que pelas cinco da manhã levava o leite cru para o pequeno almoço das famílias portuenses. Era também ainda o tempo dos roleiros em Mindelo e as suas campanhas de captura de rolas, dos ensaios de teatro das muitas peças levadas à cena por intérpretes que em grande parte decoravam os papéis sem saber ler nem escrever. A rua da estrada velha, antiga estrada Porto–Viana do Castelo estava intransitável e começava a exploração das areias em Mindelo, tanto no mar como nos enormes fieiros que as gerações atuais não fazem ideia da sua dimensão nem do impacto ambiental que o seu desaparecimento alterou para sempre toda a biodiversidade na nossa freguesia. A vida era tão dura que nem nos apercebemos do quanto de bom sacrificamos para termos hoje uma vida melhor.

Fumo

Manhã cedo, bois apostos ao carro dirigimo-nos para a bouça para trazer lenha para o frascal acompanhados pelo «fadista» um rafeiro sempre atento às nossas saídas, fazendo guarda de honra a qualquer lado que nos deslocássemos. Os bois tinham um «passo» pachorrento e ao longe comecei apreciar uma névoa de fumo sem que me apercebesse de fogo e interroguei o meu pai acerca de tão estranha situação. – Espera um pouco e já vais ver o que se passa, disse ele avivando a minha curiosidade de criança ávida de tudo saber ainda que com dificuldade em compreender. Pouco depois chegamos então à bouça recebendo-nos um homem calçando galochas, vestindo camisola interior e limpando a um lenço vermelho o suor que lhe escorria pelo rosto. – É o trabalho deste Senhor que provoca o fumo, ele arranca os canhotos das árvores, racha-os, e depois cobre as achas com cepas de terra construindo fornos para fabrico do carvão vegetal. Depois rega as cepas com água para que a humidade exterior amortice a combustão e produza o carvão do qual sobrevive, ouvi com toda a atenção a explicação do meu pai. Não possuo fotos, muito menos tenho jeito para o desenho ou pintura, mas guardo no meu coração excelentes recordações que faço imenso gosto em partilhar convosco.

Alcoviteiras

Pensem agora o quanto não seria divertido o dia a dia do comum mindelense com novelas permanentes de gente bem conhecida analisadas ao pormenor nos lavadouros públicos, nas barbearias, nos trabalhos agrícolas e em todo o lugar onde o cochicho acontecesse.

Vindimas

As vindimas e todo o processo da transformação das uvas em vinho mobilizavam grande parte da freguesia com as pessoas entreajudando-se até que o precioso néctar da videira repousasse nas pipas sendo normalmente provado pelo dia de S. Martinho. O povo gostava de vindimar, colher os cachos para baldes e canistréis colocados junto dos cachos para também aparar as uvas que deles se desprendiam para que nenhum bago se desaproveitasse. O subir e descer das escadas era como uma dança harmoniosa, um bailado de corpos esbeltos com braços e mãos em pleno movimento, ora procurando as uvas ora as recolhendo e voltando novamente à sua procura. A arte corporal continuava no pisar ou esmagar das uvas com movimentos de cadência compassada interpretada com o prazer de quem faz algo com verdadeiro amor. Por fim a trasfega do vinho da dorna ou lagar para as pipas com os corpos corcovados na recolha e desenvoltos, eretos e em bico dos pés no momento de despejar o cântaro sobre o funil como de de um último preito se tratasse ao lavor de uma época de canseiras e sacrifícios.

Estrada Nova

Aquele que se foi designando por lugar da Estrada Nova não passava noutros tempos da extensão de campos e bouças dos lugares de Outeiro e Pinheiro como comprova o nome daquele que um dos primeiros restaurantes da nossa freguesia e que ainda hoje se mantém em plena atividade, o restaurante Pinheiro1. Com a abertura da estrada nacional 13 vários edifícios ali se foram construindo tanto para residência como para negócio que foi ganhando cada vez mais consistência a ponto de por lá aparecer a Farmácia2, a drogaria, a antiga venda e a serração do Aires Ramalho (Pisco) e mais adiante na entrada para o caminho da Arrepiada (hoje rua do Lidador) a venda da Borracinha3. Surgiram também os postos de abastecimento de combustível Sonap e Sacor4 tendo esta serviço de bar e restaurante e um parque infantil5 que fazia as delícias de pais e crianças frequentadores daquele espaço. A Estrada Nacional era um coração de vida, com faixa rodoviária e larga pista de ciclistas, utilizada sobretudo por pessoas a caminho dos empregos em especial da Fábrica do Mindelo6 uma referencia nacional a nível dos têxteis. Muitos outros negócios foram surgindo como o restaurante «Roleiro»7 e a sul a zona industrial criando enorme valorização para a freguesia e melhoramento da qualidade de muitos Mindelenses. Por fim uma palavra para os médicos com consultório também no lugar: Amadeu Gonçalves Azevedo e António Dias de Azevedo que cuidaram com profissionalismo e competência da saúde dos mindelenses e outros com exemplar disponibilidade. O segundo consultando gratuita e diáriamente quem por questões de saúde a ele recorria.

1 Localização: 41°18'56.9"N 8°42'33.3"W
2 Localização: 41°18'57.7"N 8°42'34.4"W
3 Localização: 41°19'05.1"N 8°42'40.7"W
4 Localização: 41°19'11.6"N 8°42'45.3"W
5 Localização: 41°19'12.2"N 8°42'47.5"W
6 Localização: 41°19'29.8"N 8°42'54.7"W
7 Localização: 41°19'15.7"N 8°42'48.4"W

Da estação à igreja

Junto à estação1, do outro lado da estrada, a venda da Amélia2 era uma referência de Mindelo com negócio variado servido ao balcão, ali pesado e medido assim como atendidos clientes que lá se deslocavam para saborear o bom vinho muito apreciado nas canecas de porcelana. Os apreciadores mais idosos sentavam-se num banco existente no exterior sob a fresca da folhagem da ramada e ali passavam horas recordando o passado interrompido sempre que aparecesse às compras jovens ou mulheres que lhes seduzissem o olhar. Ainda junto da estação o palacete do Esteves3 assinala a época áurea da emigração no Brasil, uma verdadeira relíquia, um edificio de excecional beleza, muito bem secundado pela bonita vivenda4 da saudosa Dona Lídia Branco e do Dr Moreira Maia. Inicia-se a descida e vão surgindo as travessas laterais, a venda da Carolina5, a carpintaria do «Padeiro»6, o caminho para as cubas, o travesso do Carvalhal e por ele o acesso ao lugar e à escola do Carvalhal7. As travessas são caminhos estreitos, apenas permitiam a passagem dos carros de bois, ladeadas de sebes e em piso de terra batida. Próximo do fim da descida o caminho virava à direita, procurava o chão do leito da ribeira atravessando-a ao encontro daquele que vem do lugar do Outeiro, subindo depois para o centro da freguesia ladeado das casas dos lavradores que junto a ele foram sendo construídas. Observemos agora chegados ao centro como é bonita e elegante a nossa Igreja8!

1 Localização: 41°18'53.2"N 8°42'50.9"W
2 Localização: 41°18'52.1"N 8°42'50.7"W
3 Localização: 41°18'52.7"N 8°42'51.3"W
4 Localização: 41°18'52.5"N 8°42'52.0"W
5 Localização: 41°18'52.4"N 8°42'53.3"W
6 Localização: 41°18'52.5"N 8°42'55.9"W
7 Localização: 41°18'55.1"N 8°42'58.9"W
8 Localização: 41°18'48.0"N 8°43'10.0"W

Ceifa

O calor do mês de junho incidia sobre as searas de Mindelo dourando as espigas de trigo e outros cereais apelando às ceifas e à sua recolha para as medas na eira para em julho serem debulhados. Pela madrugada os ceifeiros e ceifeiras deslocavam-se para o campo e de foucinhas em punho, com o sacrifício que Deus testemunhou, avançavam de corpos corcovados como se a tarefa não tivesse fim. Aos primeiros raios de sol, já adiantada ia a ceifa, chegava o pequeno almoço consentindo-se o primeiro descanso. Depois era atar em molhos as postas já ceifadas e começar a carregar os carros de bois que os transportavam para casa para serem colocados na meda feita com saber e brio para em caso de chuva tanto as espigas como a palha não sofrerem apodrecimentos. Já o sol ia bem alto quando ao longe se vislumbrava a figura feminina com o cesto à cabeça, normalmente acompanhada por uma criança, trazendo o almoço (e a água para lavar as mãos) servido sobre uma toalha estendia no chão, geralmente sob a sombra fresca de um castanheiro. As mulheres e os homens alargavam as faixas até aí apertadas em redor da cintura, preciosas auxiliares para evitar ruturas, sentando-se ou anichando-se no chão, benzendo-se ao iniciar a refeição, nesses dias normalmente muito bem esmerada.

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